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Precarização docente é a raiz da epidemia de violência nas escolas, aponta relatório

Agressões são o sintoma da violência estrutural alimentada por políticas de austeridade e gestão que prioriza a competição, demonstra estudo

Um professor agredido, uma sala de aula vandalizada, uma ameaça verbalizada no corredor. Embora chocantes, os episódios de violência explícita são apenas o sintoma mais visível de uma “epidemia”, cujas verdadeiras causas são mais profundas e silenciosas. A raiz do problema, segundo um robusto relatório divulgado nesta quarta-feira, 8, está na crescente precarização do trabalho docente e na lógica de mercado imposta à educação brasileira.

estudo Razões da epidemia de violência contra professoras e professores do Ensino Básico brasileiro, realizado pelo Observatório do Estado Social Brasileiro, afasta-se de narrativas pontuais para analisar o fenômeno de forma estrutural.

A pesquisa, que durou cerca de cinco meses e envolveu mais de 15 pesquisadores e professores de vários estados, sustenta que a violência que adoece e incapacita educadores começa muito antes do confronto direto: ela nasce nas políticas de austeridade e na gestão neoliberal das redes de ensino.

“Quem esperar encontrar narrativas pontuais sobre um professor que foi agredido, outro que foi chutado, um outro que foi cuspido, possivelmente não vai encontrar”, adverte o coordenador da pesquisa e professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), Tadeu Alencar Arrais.

“O que a gente está compreendendo como violência é uma violência estrutural, que é resultado, nos últimos anos, da adoção de políticas de austeridade”, resume ele que é professor de geografia e tem doutorado na área de desenvolvimento regional.

O ponto de partida do relatório é uma mudança de paradigma: enxergar o professor não como um sacerdote de uma missão, mas como um trabalhador assalariado, sujeito a condições cada vez mais degradantes. “O professor e a professora são trabalhadores assalariados. Se eles são professores assalariados, eles se colocam em diferentes condições de precariedade do trabalho”, explica Arrais.

A competição como motor da violência

Precarização docente é a raiz da epidemia de violência nas escolas, aponta relatório

A violência explícita contra os professores reflete a violência estrutural gerada pela adoção de políticas de austeridade, afirma Arrais

Foto: Acervo Pessoal

O relatório aponta um paradoxo central na educação brasileira: enquanto os indicadores de desempenho como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) apresentam melhoras, os relatos de adoecimento, assédio e esgotamento entre os professores se multiplicam. “Se você for olhar as redes de ensino a partir da ótica da avaliação em massa, todas melhoraram. Esse foi o nosso ponto de partida”, revela o pesquisador.

Essa aparente contradição é explicada pela instauração de um “ecossistema de violência” baseado na competição. A obsessão por metas transforma a avaliação em uma “gincana”, com governos oferecendo prêmios em dinheiro para alunos e escolas com bom desempenho no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Essa política, segundo o estudo, coage e ridiculariza os educadores, responsabilizando-os individualmente pelo “sucesso escolar”.

A pressão por resultados leva a práticas como a “aprovação quase automática” e a transferência compulsória de alunos com baixo desempenho para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), que não entra no cálculo do Ideb. O professor, por sua vez, perde autonomia e é submetido a uma violência simbólica, tendo seu trabalho julgado por instâncias externas e burocráticas.

A rede privada como porta de entrada da precarização

Uma das afirmações mais contundentes de Arrais é sobre o papel da rede privada nesse cenário. Contrariando o senso comum, ele aponta o setor particular como o primeiro degrau da precarização para muitos educadores.

“A rede privada é o primeiro lugar de precarização que o professor entra. A rede privada não é um sonho”, afirma. Arrais destaca que – com exceção de um pequeno número de escolas de elite – a maioria das instituições privadas, especialmente as de bairro, oferece contratos precários e salários baixos. A desvalorização do piso salarial no setor público acaba por pressionar para baixo também a remuneração na rede privada, criando um ciclo vicioso que afeta todo o sistema.

O retrato do professor precarizado

O relatório traça um perfil do profissional que está na linha de frente: majoritariamente formada por profissionais mulheres, a categoria está sobrecarregada e é mal-remunerada, aponta. Elas compõem 78% do total de docentes do ensino básico e chegam a 84,85% nas redes municipais.

Dados revelam que mais da metade dos professores das redes estaduais possui contratos temporários, sem a estabilidade do concurso público. É comum que um único profissional lecione para até 10 turmas, com uma média de 250 alunos por semana, muitas vezes atuando em mais de uma escola para complementar a renda.

A infraestrutura inadequada agrava o quadro. No Pará, por exemplo, 43% das escolas não possuem salas climatizadas, uma condição que o estudo também classifica como violência. Soma-se a isso a crescente demanda por educação especial, que viu um acréscimo de mais de 4% de matrículas por ano, sem o correspondente investimento em profissionais de apoio e estrutura.

Nesse contexto, entende Arrais, surgem legislações que punem o profissional que adoece, com redução de gratificações. “São estados que inventaram algo revolucionário para a profissão docente: inventaram o professor que não adoece”, ironiza. “Essa violência (estrutural)… é o que torna esse professor adoecido. Ele não responde mais às condições de violência”.

Para o Observatório, a solução não passa por saídas fáceis como a militarização das escolas, vista como uma “miragem” dispendiosa e excludente. A verdadeira resposta está na valorização do profissional da educação: salários dignos, plano de carreira, respeito à jornada de trabalho e condições adequadas. A pesquisa conclui com um diagnóstico pessimista, mas com um recado claro: sem reverter o processo de precarização, a violência, em todas as suas formas, continuará sendo uma epidemia nas escolas brasileiras.

Os números da Educação Básica no Brasil

O relatório apresenta um panorama quantitativo do ensino básico no país, evidenciando a dimensão de cada rede e a distribuição de profissionais e estudantes.

 

Precarização docente é a raiz da epidemia de violência nas escolas, aponta relatório Quadro: Extra Classe

 

 

Fonte: “Razões da epidemia de violência contra professoras e professores do Ensino Básico brasileiro” (2025), Observatório do Estado Social Brasileiro. Os dados são aproximados com base nas informações fornecidas.

Outros dados relevantes do estudo:
Feminização: Cerca de 78% dos docentes do ensino básico são mulheres. Nas redes municipais, o percentual atinge 84,85%.
Contratos Temporários: Mais de 50% dos professores das redes estaduais são contratados em regime temporário.
Carga de Trabalho: Não é incomum um professor lecionar para 9 a 10 turmas durante a semana, atendendo uma média de 250 alunos.
Oferta Privada: A rede privada de ensino médio está ausente em mais de 60% do território brasileiro, evidenciando que a universalização do acesso é garantida majoritariamente pela escola pública.

Fonte: Extra Classe

 

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