Fabrício Carpinejar*
O professor deve ter em mente que ele não tem a função de entreter.
Entreter não é ensinar.
Não tem que fazer show, espetáculo, dancinha, stand-up, coreografia. Não tem que tocar violão, cantar, encenar. Não é animador de auditório.
Não tem que recorrer a efeitos especiais, a exercícios pirotécnicos, a uma didática de palco para chamar atenção e ganhar a confiança. Não tem sequer a obrigação de ser lúdico ou fingir que está brincando ou se divertindo. Senão matrículas seriam ingressos.
Exigimos demais dos professores, cobramos demais dos professores, criticamos demais os professores. Parece que eles precisam ser tudo, menos professores.
Diante das distrações do mundo contemporâneo, com olhar vidrado exclusivamente no celular, estudar é um momento raro.
Diante da intoxicação das redes sociais e avatares, ter um educador se expressando na frente da classe, escrevendo lições na lousa, é uma ocasião incomum.
No meio do excesso de virtualidade, sua presença é revolucionária.
O aluno recebe em aula o que jamais encontrará em outro ambiente no seu dia: cinco horas de foco.
Na convivência familiar, nunca ele vai experimentar tamanha concentração.
Só na escola existe ainda a vivência do silêncio, do respeito, de ouvir, de esperar a sua vez para falar, de levantar a mão para perguntar algo.
Só na escola há o contato com a caligrafia, sem digitar, sem corretor ortográfico.
Só na escola se pode exercitar a memória integralmente, sem dispersão, sem consultar o Google, raciocinando a partir das próprias ideias.
Só na escola se rompe a simultaneidade para privilegiar tarefa a tarefa.
Só na escola a empatia é cultivada coletivamente, num movimento de turma.
Só na escola se exerce o direito de ficar off-line.
Só na escola é oferecido tempo para a inteligência natural.
Pela escassez de realidade, o professor se tornou tecnologia avançada, ultramoderna, disputadíssima.
É alguém que traz um conteúdo com testemunho de vida, com a sabedoria de quem lidou com aquela matéria desde sempre. É alguém que estabelece analogias e comparações, mostrando a ciência do cotidiano. É alguém que se formou para lecionar e explicar as fórmulas com exemplos práticos.
Não peça para o professor ser um artista. Ele é um mestre em seu ofício, na simplicidade sofisticada da transmissão de conhecimento. Basta a contundência da sua voz e dos seus gestos. E já é muito.
Já é muito controlar uma turma pelas palavras e pausas. Já é muito preparar e corrigir os temas e as provas. Já é muito participar das reuniões da escola e promover a aproximação com as famílias. Já é muito identificar cada estudante pelo nome, sobrenome e necessidades. Já é muita dedicação, doação, entrega em dois turnos diários. Querem mais do que isso? Que insalubridade emocional é essa?
A escola é o único lugar em que ainda é possível desenvolver rigor, disciplina, humildade, obediência.
*O escritor e colunista do jornal Zero Hora, Fabrício Carpinejar, autorizou o Sinpro/Caxias a reproduzir a coluna publicada no dia 14 de outubro de 2024.