A Lei 13.467/17, da reforma trabalhista, entra em vigor no próximo dia 11 de novembro e o consultor jurídico da Contee, José Geraldo de Santana Oliveira, respondeu a mais de 30 questões e dúvidas sobre as mudanças na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), os principais ataques aos direitos dos trabalhadores e como podemos resistir e fortalecer nossa luta. Confira:
Por José Geraldo de Santana Oliveira*
Desde o dia 13 de julho de 2017, data em que foi sancionada a Lei N. 13.467, que visa a reescrever a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com a finalidade precípua de retirar-lhe a condição de norma protetiva do trabalho; muito se discutiu sobre ela. Muitas são as indagações acerca de seu alcance e de sua aplicação.
Enumeram-se, aqui, algumas dessas indagações, com a sugestão de respostas para cada uma delas; respostas que encontram eco em todos quantos não estão comprometidos com a sanha de desmedida flexibilização dos direitos e da legislação trabalhista: juízes trabalhistas, às centenas; ministros do Tribunal Superior do Trabalho (TST), 16 dos atuais; procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT), às dezenas; Conselho Federal da OAB; Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB); advogados trabalhistas, às centenas, dentre alguns que advogam para empresas; dirigentes sindicais de trabalhadores, todos, sem exceção.
Ei-las:
1 Que dia essa lei entrará em vigor?
Dispõe o Art. 6º da Lei N. 13.467 da seguinte forma: “Esta Lei entrará em vigor após decorridos cento e vinte dias de sua publicação oficial”. Como a referida publicação oficial deu-se ao dia 14 de julho de 2017, a sua vigência terá início ao dia 11 de novembro de 2017.
2 Essa lei é obrigada a todos?
Em tese, toda norma de caráter geral obriga a todos. Todavia, como acontece com toda norma, sua aplicação se dará, ou não, em cada caso concreto, após o seu cotejo (confronto) com a Constituição Federal (CF), os tratados internacionais dos quais o Brasil é parte e, até mesmo, com os demais comandos da CLT que com ela sejam incompatíveis, e que são muitos.
3 Essa lei é inconstitucional?
Com exceção dos representantes dos interesses empresariais, e que não são poucos, todos quantos zelam pelo respeito à Ordem Democrática apontam diversas inconstitucionalidades nessa lei.
4 Quem pode declarar a inconstitucionalidade da lei?
Em primeiro lugar o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do chamado controle concentrado de constitucionalidade, que se materializa nas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs), arguições de descumprimento de preceitos fundamentais (ADPFs) — que possuem alcance geral e irrestrito —, recursos extraordinários (REs) — que podem ter alcance geral, se assim for declarado pela maioria dos ministros —, e reclamações, com alcance limitado às partes envolvidas.
Mas existe também o chamado controle difuso de constitucionalidade, que consiste na declaração de inconstitucionalidade em cada caso concreto, por juízes, desembargadores e ministros; as decisões proferidas nessa modalidade de inconstitucionalidade, além de se submeter às instâncias superiores, que podem modificá-las e/ou revogá-las, sobretudo o STF, atingem apenas as partes que integram o processo.
5 Por que não arguir a inconstitucionalidade da lei perante o STF?
O STF, com as suas últimas composições, transformou-se de guardião da CF, como determina o seu Art. 102, em seu algoz. No tocante aos direitos trabalhistas, registram-se várias decisões do STF que fazem tábula rasa das garantias constitucionais.
A título de ilustração, citam-se a que reconhece a prevalência do negociado sobre legislado com redução direito, apesar de o Art. 7º, caput e inciso XXVI, dispor de forma contrária (RE-590415), e a suspensão da ultratividade (adesão definitiva aos contratos de trabalho) das normas coletivas, garantida pela Súmula N. 227 do TST, em decisão monocrática do ministro Gilmar Mendes (ADPF N. 323).
Ante essas razões, a prudência recomenda que não se busque o STF, pois o resultado poderia ser desastroso. Não se pode esquecer que esse Tribunal é a instância máxima da Justiça do Brasil, o que torna as suas decisões irrecorríveis.
Todos os dispositivos das duas leis da reforma que se confrontarem com a CF, com os tratados internacionais dos quais o Brasil é parte signatária e com as convenções da OIT por ele ratificadas devem ter a sua inconstitucionalidade arguida em cada caso concreto, por meio do chamado controle difuso de constitucionalidade, perante a Justiça do Trabalho.
6 As condições estabelecidas nos contratos de trabalho celebrados antes de 11 de novembro de 2017 perderão a sua validade quando a lei entrar em vigor?
Não. Todas permanecerão intactas, por se encontrarem garantidas pelo Art. 5º, inciso XXXVI, da CF, que estabelece: “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”; bem assim, pelos Arts. 9º — mantido sem alteração — e 468 — com caput mantido sem alteração — da CLT.
Assim sendo, qualquer tentativa de se promover alteração contratual, em prejuízo dos trabalhadores, será considerada nula de pleno direito.
7 As empresas poderão reduzir ou suprimir direitos assegurados em convenções coletivas por meio dos chamados acordos individuais?
Não. Primeiro, por força dos já citados Arts. 9º e 468 da CLT. Segundo, porque, por determinação constitucional (Art. 7º, caput e inciso XXVI, da CF), pela jurisprudência do STF (REs 590415 e 895759) e pela própria lei ( Art. 611-A), as condições estabelecidas coletivamente prevalecem sobre as individuais, exceto quando estas forem mais vantajosas.
7.1 Isto quer dizer que se a convenção coletiva estabelecer que as férias têm duração de 30 dias ininterruptos, a empresa não pode parcelá-las?
Sim. Em casos que tais, em nenhuma hipótese poderá haver parcelamento.
7.2 A mesma regra vale para o banco de horas?
Vale, sim.
8 E se a concessão das férias não estiver regulamentada em instrumento normativo (acordo coletivo e convenção coletiva), o empregado é obrigado a aceitar o seu parcelamento?
Legalmente, não. O Art. 134 da CLT exige expressa concordância do empregado para que isto ocorra. Porém, em razão do poder absoluto que a empresa possui de admitir e demitir sem óbice legal, dificilmente o empregado terá essa opção.
8.1 E se, não havendo regulamentação em instrumento normativo, as férias forem parceladas em três períodos, sendo um de 14 dias, e os outros dois de oito cada um, como se dará o seu pagamento, antes ou depois do seu suposto gozo? E o terço assegurado pelo Art. 7º, inciso XVII, da CF?
Primeiro, faz-se necessário esclarecer que, por força do que dispõe o Art. 134, § 3º, da CLT — com a nova redação —, nenhum dos três períodos de férias poderá iniciar-se “no período de dois dias que antecede feriado ou de repouso semanal remunerado”.
Segundo, o Art. 145 da CLT, que determina o pagamento antecipado das férias, devidamente acrescidas de um terço, não sofreu alteração. Assim, em caso de parcelamento das férias, cada período terá de ser pago, com o acréscimo de um terço, com a antecedência de dois dias de seu início, sob pena de não ser considerado como tal, em conformidade com a Súmula N. 450, que não sofreu nenhum arranhão.
8.2 A divisão das férias em três vezes, que benefício trará aos trabalhadores?
Nenhum. Somente lhe trará prejuízos. Isso porque, de acordo com os criteriosos estudos de medicina do trabalho, são necessários 14 dias consecutivos para que o empregado em gozo de férias consiga se descomprimir do estresse do trabalho. Importa dizer: o efetivo período de descanso, de recomposição de suas energias, inicia-se ao décimo quinto dia de férias. Por esta boa razão, a Convenção N. 132 da OIT, ratificada pelo Brasil, estabelece, no seu Art. 3º, que nenhum período de férias pode ser inferior a 14 dias.
8.3 O parcelamento das férias em até três períodos, ainda que não contrarie instrumento coletivo, só se aplicará aos períodos aquisitivos iniciados após a entrada em vigor da lei, ou também para os empregados que estavam no período concessivo?
Essa matéria, por certo, suscitará muita controvérsia, não sendo, no momento, previsível o entendimento da Justiça do Trabalho. Contudo, por força do que preconiza o Art. 5º, inciso XXXVI, da CF (a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada), bem como o Art. 9º e o 134 (redação anterior à Lei N. 13.467/2017), ambos da CLT, o parcelamento de férias, quando não for proibido por instrumento normativo de trabalho, não alcançará os períodos aquisitivos, que se completaram antes do início de vigência da norma que o autoriza.
9 Os salários podem ser reduzidos por ‘acordo’ individual?
Não. A famigerada lei não trata dessa possibilidade e, se o fizesse, seria inconstitucional, pois o Art. 7º, inciso VI, da CF somente a autoriza por meio de negociação coletiva, o que é confirmado pelo STF, no RE N. 590415, que pavimentou o caminho para a prevalência do negociado, que reduz direitos sobre o legislado.
10 O FGTS sofreu alguma alteração?
Não sofreu nenhuma direta. O Art. 611-B da CLT veda a possibilidade de redução e/ou supressão de 30 direitos, dentre os quais se encontra o FGTS (inciso III). No entanto, de forma oblíqua, haverá alteração em prejuízo do empregado, sobretudo as que decorrem das modificações promovidas no Art. 457, que excluem diversas verbas da composição dos salários e, por conseguinte, do cálculo do FGTS.
11 E a licença-maternidade corre algum risco de ser suprimida e/ou reduzida?
Pela Lei N. 13.467/2017, não. Esse direito inclui-se no rol dos que não podem ser objeto de redução e/ou supressão, elencados pelo Art. 611-B.
A Lei traz nova possibilidade de concessão de licença-maternidade, no Art. 394-A, § 3º, quando a empresa não tiver condições de designar atividades às empregadas gestantes ou lactantes, afastadas de atividades insalubres, “a hipótese será considerada como gravidez de risco e ensejará a percepção de salário-maternidade, nos termos da Lei nº 8213, de 24 de julho de 1991, durante todo o período de afastamento”.
12 O empregado poderá se recusar a assinar o termo de rescisão de contrato de trabalho na empresa e exigir que este seja homologado pelo seu sindicato?
Isto somente será possível se a convenção e/ou acordo coletivo fizer esta exigência. Caso contrário, não. Não havendo determinação em instrumento coletivo de trabalho, o empregado terá de assiná-lo na própria empresa, devendo, contudo, consultar previamente o sindicato sobre o que pode ser assinado e o que não pode, notadamente se estiver doente — com ou sem licença médica —, ou portador de estabilidade, qualquer que seja a sua natureza, hipóteses que vedam a sua demissão.
13 Os empregados devem aceitar a homologação de suas rescisões de contrato Justiça do Trabalho?
Não é recomendável. Primeiro, porque que, salvo raras exceções, quando a empresa apresenta-lhe essa proposta o faz com a pretensão de pagar-lhe menos do que lhe deve e/ou evitar eventual ação judicial posterior. Isso ficará patenteado quando a empresa lhe oferecer a assistência de advogado.
Segundo, porque ainda não é possível saber qual será o comportamento dos juízes quando se depararem com pedido conjunto de homologação de acordo extrajudicial: se primarão pelo exame criterioso de todos os direitos do empregado, indeferindo o pedido, caso vislumbrem nele qualquer prejuízo concreto ou indício de prejuízo; ou se limitarão a chancelar o que contiver na petição, como afirmou, de forma contundente, um juiz do Trabalho de Fortaleza que, por anos a fio, foi advogado de sindicato de trabalhadores.
Terceiro, porque, uma vez homologado o suposto acordo, se nele contiver a marota expressão “pelo extinto contrato de trabalho”, comum em acordo judicial, nenhum dos direitos nele contido poderá ser objeto de reclamação judicial, sob pena de má-fé.
Os empregados que, mesmo tendo conhecimento de todas essas ressalvas, se dispuserem a aceitar tal condição, ao menos devem ter o cuidado de pedir a assistência sindical.
14 A quitação anual de direitos, prevista no Art. 507-B, poderá se dar por meio de homologação judicial?
Não. Esse dispositivo legal, que cria essa famigerada modalidade de quitação anual de direito, exige expressamente que ela se dê “perante o respectivo sindicato dos empregados da categoria”, não sinalizando com a possibilidade de a Justiça do Trabalho suprir eventual recusa deste.
Ademais, a homologação de acordo extrajudicial pela Justiça do Trabalho, prevista nos Arts. 855-B a 855-E, limita-se à quitação de verbas rescisórias, como se extrai do Art. 855-C, que estipula: “O disposto neste Capítulo não prejudica o prazo estabelecido no § 6º do art. 477 desta Consolidação e não afasta a aplicação da multa do § 8º art. 477 desta Consolidação”.
Frise-se que o Art. 477 trata exclusivamente de rescisão de contrato, prazo e forma de pagamento de verbas rescisórias, e nada mais.
Desse modo, qualquer tentativa de se substituir o sindicato pela Justiça do Trabalho caracteriza-se como ilegal, sendo, por isso, nula de pleno direito.
14.1 Os sindicatos devem recusar-se a homologar os termos de quitação anual de direito que lhe forem apresentados?
De plano, não parece medida de bom senso. Com a finalidade de proteger os trabalhadores, não os deixando à própria sorte e aos ditames das empresas, é recomendável que os sindicatos se prontifiquem a analisar todos os termos dessa natureza que lhe forem apresentados.
Com amparo no Art. 8º, inciso III, da CF, e no parágrafo único do Art. 507-B, que cria essa monstruosidade, os sindicatos podem e devem exigir, para análise de tais termos, todos os documentos que entenderem pertinentes e necessários ao cotejo com os direitos devidos e com os neles descritos, sendo as empresas obrigadas a fornecê-los, sob pena de prática antissindical e de nulidade de sua pretensão.
Caso seja constatada, pela análise documental, alguma lesão a direitos, é de boa cautela a devolução dos termos de quitação, com a oposição de ressalvas, no seu verso, quanto aos direitos inobservados e/aos que são quitados por valores inferiores aos devidos.
Frise-se que toda cautela é pouca, pois que se os sindicatos não adotarem as medidas retrossugeridas, homologando os termos de quitação que lhe chegarem, poderão ser condenados por perdas e danos, eventualmente, causadas aos empregados, decorrentes de sua falta de vigilância.
15 O empregado foi dispensado antes da vigência da reforma, com cumprimento do aviso prévio, dando-se o seu término após a vigência da reforma. A homologação no sindicato é obrigatória?
Sim. Assim sendo por força do Art. 5º, inciso XXXVI, da CF — já transcrito —, que garante o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, perante qualquer norma que altere as condições que os ensejaram.
Com isso, apenas os contratos que forem rescindidos após o início de vigência da Lei N. 13.467 dispensarão a homologação sindical, ainda assim, se acordo coletivo ou convenção coletiva não dispuser de modo diferente.
16 O empregado é obrigado a aceitar acordo para rescisão do contrato? Se o aceitar, haverá algum prejuízo para ele?
Legalmente, não. O Art. 484-A dispõe que “O contrato de trabalho poderá ser extinto por acordo entre empregado e empregador…”. Claro está, portanto, que essa forma de extinção de contrato é autorizada por acordo e não por ato unilateral da empresa.
Desse modo, qualquer pressão do empregador — que, por certo, não faltará — para forçar o empregado a aceitar ‘acordo’ com essa finalidade configura-se como prática antissindical e violação aos princípios da probidade e da boa-fé, ditados pelo Art. 422 do Código Civil (CC).
Essa modalidade de extinção de contrato de trabalho, a rigor, não traz nenhum benefício ao empregado. Ao contrário, traz-lhe apenas prejuízos, com destaque para: perda de metade do aviso prévio, da multa do FGTS e do direito à habilitação ao seguro-desemprego, bem como o saque de apenas 80% do saldo do FGTS.
17 A nova lei trabalhista prevê que o trabalhador poderá negociar a extinção do contrato de trabalho até na demissão por justa causa?
Não há nenhum impedimento legal. Porém, nesse caso, o ‘acordo’ somente será possível se houver a conversão da demissão por justa causa em extinção do contrato, por acordo, como dispõe o Art. 484-A.
18 Pela nova lei, a partir do momento em que o empregado assinar a rescisão de contrato, não terá mais o direito de ingressar na Justiça do Trabalho, reclamando o que não recebeu?
Trata-se de matéria controvertida, que, por certo, suscitará muita discussão judicial. Se a rescisão de contrato de trabalho for assinada na empresa, ou homologada pelo sindicato competente, a quitação limita-se aos valores constantes do TRCT.
Se for homologada pela Justiça do Trabalho, igualmente, desde que o empregado não aceite constar da petição de ‘acordo’ e/ou da sentença homologatória, que fica extinto o contrato de trabalho, hipótese em que nada mais poderá ser reclamado.
19 É possível a empresa exigir de seus empregados o cumprimento de jornada ininterrupta de 12 horas, com 36 de descanso, sem autorização de acordo coletivo ou convenção coletiva?
O Art. 59-A da CLT, diz que sim. Porém, a CF, em seus Art. 7º, incisos XIII e XIV, exige que a ampliação da jornada e o estabelecimento de regime de turno de revezamento superior a 6 (seis) horas, sejam previamente autorizados por negociação coletiva.
Ademais, o inciso XXII, do Art. 7º, da CF, assegura como direito inafastável de todos os trabalhadores, urbanos e rurais, a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. Igual garantia é assegurada pela Convenção N. 155 da OIT, aprovada pelo Decreto Legislativo N. 2/1992, e regulamentada pelo Decreto N. 1254/1994.
O Art. 71, caput — que não foi alterado —, da CLT, estipula a obrigatoriedade de descanso, para todo trabalho superior quatro horas, com duração mínima de 15 minutos, e uma hora, se exceder a seis.
Claro está, portanto, que o dispositivo legal é imoral e inconstitucional. Essa imoralidade se avulta na medida em que a norma retira a garantia de pagamento em dobro dos dias feriados que forem trabalhados, como hoje é assegurado pela Súmula 444 do TST. Esse calote legal colide com o Art. 884 do CC, que proíbe o enriquecimento sem causa.
20 A redução do intervalo para repouso e alimentação, estabelecido pelo Art. 71 poderá ser reduzido a 30 minutos por ‘acordo individual’?
Não. O Art. 611-A exige que essa excrescência seja expressamente autorizada por acordo coletivo ou convenção coletiva.
21 É possível que após a reforma trabalhista a empresa solicite que um trabalhador labore em turnos diferentes, em um mesmo dia, conforme exemplo a seguir?
Ex: O empregado entra no trabalho às 7 horas e labora até as 10 horas e, só retorna a ele às 15 horas, laborando até as 20 horas, o que importa intervalo intrajornada de cinco horas entre os turnos.
Isso será possível, nos termos da Lei N. 13467, mediante autorização em acordo coletivo ou convenção coletiva; em nenhuma outra hipótese.
22 O banco de horas pode ser implantado por vontade unilateral da empresa, ou há necessidade de acordo com o trabalhador ou o sindicato para a sua implantação?
O Art. 59, § 5º, em confronto com o Art. 7º, inciso XIII, da CF, e com a Súmula N. 85 do TST, autoriza a sua implantação por meio de acordo individual escrito, “desde que a compensação ocorra no período máximo de seis meses”. Não a havendo, nesse prazo, a empresa terá de pagar as horas excedentes, com acréscimo mínimo de 50%, imediatamente após o término desse prazo.
Vale ressaltar que a autorização de implementação de banco de horas por acordo individual representa mais um dos muitos colossais retrocessos sociais, almejados pela Lei N. 13.467. Os seus malefícios são de tal dimensão que o juiz titular da Vara de Itumbiara (GO), que, apesar de afirmar que a sua atuação não prima por ser protetiva, repudia essa autorização, com veemência, no livro “Lei da reforma trabalhista”, do qual é coautor, fazendo-o nos seguintes termos:
“Cuida-se, todavia, de inaceitável retrocesso socioambiental, porque lança ao campo da simples pactuação individual a constituição de um regime de compensação que, ainda que atentando para um módulo compensatório semestral, permite a exposição do trabalhador a jornadas extras contínuas por um tempo extremamente acentuado. O regramento anterior… exigia que essa específica modalidade compensatória de jornada (banco de horas), pelo seu largo potencial de lesividade pessoal, familiar, social e ambiental, integrando a própria organização do trabalho, deveria ser mesmo rigorosamente excetiva no contexto empregatício, e, por isso, só permitida se decorrente de sadio entabulamento coletivo, observando-se as peculiaridades de cada atividade laboral e as necessidades de cada categoria”.
23 O que é contrato intermitente? Quais são as garantias que ele dá aos trabalhadores a ele submetidos?
Não obstante a dificuldade em se estabelecer qual dos cerca de 200 dispositivos da Lei N. 13.467 é mais nocivo e mais cruel com os trabalhadores, é possível afirmar-se que o contrato intermitente, previsto no Art. 443 e regulamentado pelo 452-A, encontra-se entre os primeiros; é nada mais, nada menos, do que a legalização do bico ou biscate.
Essa modalidade de emprego, que se funda em duas premissas, que são a de precarizar ao extremo as condições de trabalho e a de mascarar as estatísticas do desemprego, assegura aos que ela se submeterem tão somente o salário das horas trabalhadas e os direitos sociais proporcionais, calculados sobre o seu valor.
Essa modalidade é tão perniciosa que é possível um trabalhador possuir, formalmente, dez contratos de empregos e não trabalhar em nenhum deles, pois que só trabalha se e quando for da conveniência da empresa. E mais: é ainda possível que ele seja chamado por todos, ao longo do mês, e, ao seu final, não tenha conseguido sequer auferir o equivalente ao salário mínimo.
24 O contrato intermitente pode ser aplicado a qualquer atividade?
Apesar de a lei, no Art. 443, § 3º, excluir expressamente apenas os aeronautas, dessa famigerada forma de contratação, há atividades que, por sua função social e especificidades, são absolutamente incompatíveis com ela, merecendo especial destaque, dentre essas, a de professor, por força do que preconizam o Art. 6º, 205 e 206 da CF, e 13 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) — Lei N. 9.394/1996.
Vide comentários circunstanciados sobre professores, ao final.
25 O que significa trabalhador hipersuficiente?
O parágrafo único do Art. 444, criado pela Lei N. 13.467, em total afronta ao princípio da isonomia assegurado pelo Art. 5º, caput, da CF, cria a estranha figura do trabalhador sem proteção sindical e até da Justiça do Trabalho, que pode, por ‘acordo’ individual, abrir mão de todos os direitos garantidos em instrumentos coletivos de trabalho, desde que seja portador de diploma de curso superior e receba valor igual ou superior a duas vezes o teto do RGPS, ou seja, R$ 11.062,62, hoje.
O Art. 507-A acrescido pela Lei N. 13.467 vai além e autoriza a inclusão de cláusula compromissória de arbitragem, o que implica o afastamento da apreciação da Justiça do Trabalho de toda e qualquer lesão a direitos dos empregados que preencham os requisitos do Art. 444, parágrafo único, em total afronta ao que preconiza o Art. 5º, inciso XXXV, da CF, desde que seja ‘aceita’ por eles.
Esses dois dispositivos malferem também a jurisprudência do STF, firmada no RE 590415, que considera inválida a renúncia individual.
26 Com a reforma trabalhista, como ficam as negociações salariais? Quais pontos poderão ser definidos por acordo coletivo?
O Art. 611-A, acrescido à CLT, elenca 15 direitos que podem ser objeto de redução por meio de negociação coletiva, sendo que o § 3º desse Art. autoriza expressamente a redução salarial, desde que haja proteção contra dispensa imotivada, durante o período em que esta perdurar.
Já o Art. 611-B enumera 30 direitos que, em tese, não podem ser objeto de redução e/ou supressão nominal, por meio de negociação coletiva. Todavia, como inequívoca demonstração da hipocrisia do legislador, o parágrafo único, desse Art. considera lícito o estabelecimento de regras sobre duração do trabalho e intervalos, em confronto com as normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, em total desapreço pela dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho.
26.1 Os sindicatos patronais e as empresas terão interesse na negociação coletiva?
Colhe-se da conduta dos representantes patronais, adotada imediatamente após a publicação da Lei N. 13.467, que o seu único interesse pela negociação coletiva é o de inserir nos instrumentos coletivos todos os dispositivos dessa, que reduzem e/ou suprimem direito, e nada mais.
Nesse momento, não é possível fazer a leitura sobre as negociações que se realizarem — se é que se realizarão — a partir do início da vigência da lei. Ao que tudo indica, a jurisprudência da Justiça do Trabalho é que balizará as próximas negociações.
Se caminhar, como o quer o presidente do TST, para a validação total dos chamados ‘acordos individuais’, dificilmente haverá negociação coletiva. Se prevalecer as teses da Anamatra, esposada por vários ministros do TST e por centenas de juízes, os representantes patronais terão interesse nas negociações coletivas.
Não obstante essa impossibilidade de se prever os rumos das negociações coletivas, uma coisa parece patente: a garantia de direitos para além do mínimo legal somente será possível por meio de vigorosos movimentos de mobilização. O melhor cenário, se se confirmar, é o da preservação dos instrumentos normativos atuais, nada além.
Por isso, a prudência indica que as pautas de reivindicações devam nortear-se pela renovação dos instrumentos coletivos existentes, sem alterações; sem prejuízo, contudo, de novas reivindicações.
Essa recomendação deve-se à jurisprudência atual do TST — reafirmada no dissídio coletivo do Sinpro-PI, em fevereiro último (Processo RODC 656.71.2010.5.22.0000) — de considerar incorporadas aos contratos individuais de trabalho as cláusulas históricas, assim entendidas as que vigorarem por mais de dez anos, sem alterações.
27 Os contratados e terceirizados com benefícios iguais serão uma realidade, na prática?
Não; serão apenas uma miragem, e nada mais. O Art. 4º-C da Lei N. 6.019/74, com a redação dada pela 13.467, assegura igualdade entre trabalhadores diretos e terceirizados, e enquanto estes trabalharem na sede da tomadora, quanto à: alimentação, serviço de transporte, atendimento médico ou ambulatorial, treinamento adequado, quando a atividade o exigir; e medidas de proteção à saúde e de segurança no trabalho e condições adequadas à prestação de serviços.
28 A reforma vale para o setor público?
Para os efetivos, não. Já para os contratados pelo regime de CLT e/ou contrato precário, sim, com o mesmo peso.
29 Apesar de não subsistir a necessidade de negociação com os sindicatos profissionais, para a dispensa coletiva, é possível, ainda, responsabilizar-se a empresa por dano coletivo ou esta responsabilidade foi esvaziada?
Sim. Remanescem, como não poderia deixar de ser, pois que leis não mudam a CF — apesar da expressa vontade do legislador que aprovou essa Lei —, todos os fundamentos, princípios e garantias constitucionais e dos tratados internacionais dos quais o Brasil é parte signatária, bem como as convenções da OIT, por ele ratificadas, tais como a 98, 132, 135, 151 e 154.
30 Como a reforma trabalhista impactará no regime de contratação docente, diante das possibilidades que ela abre para professores em geral, mas especialmente para os universitários e de cursos livres, dos quais muitos se enquadram como os impropriamente chamados de hipersuficientes?
Como prejudicial de mérito, que afasta, em definitivo, tais dispositivos encontram barreiras intransponíveis no princípio da isonomia (insculpido no Art. 5º, caput); na proibição de normas que afastem da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direitos (Art. 5º, inciso XXXV); no reconhecimento das convenções e acordos coletivos, como direito inafastável dos integrantes da categoria, em âmbito geral, quanto àquelas, e da empresa, no tocante a estes (Art. 7º, caput e inciso XXVI, da CF); e na função social do contrato (Art. 421 do Código Civil).
Ainda que a Justiça do Trabalho venha a fazer tábula rasa dessas barreiras, o que não é razoável nem se espera, sobressai a impossibilidade da comentada aplicação, por força do que preceitua o Art. 320, da CLT, caput e § 1º, combinado com o 7º da Lei N. 605/1949, e na Súmula N. 351 do TST, que determina a forma de cálculo da remuneração de professores, com base na carga horária semanal, multiplicada por 4,5 semanas, acrescidas, cada uma delas, de 1/6, a título de repouso semanal remunerado, e, o resultado, pelo salário-aula, sendo que esta pode ser variável, consoante a Orientação Jurisprudencial (OJ) N. 244, também do TST.
Não havendo garantia de estabilidade da carga horária, com frequência, ocorrerá de a remuneração ficar abaixo do valor fixado pelo Art. 444, parágrafo único, da CLT, que equivale a duas vezes o teto do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), atualmente fixado em R$ 5.531,31, o que, de plano, tornará nulo eventual acordo de inaplicabilidade dos instrumentos coletivos e de cláusula compromissória, por força da função social do contrato, ditada pelo Art. 421 do CC, e dos princípios da probidade e da boa-fé, na celebração e na execução do contrato, conforme preconiza o Art. 422, igualmente do CC.
Reforça essa tese a cláusula da imprevisão, consagrada no Art. 478 do CC, que assim reza: “Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”.
Destarte, por qualquer ângulo que se analisar a questão posta para debate, é forçoso concluir pela inaplicabilidade do que estipulam os Arts. 444, parágrafo único, e 507-A, ambos da CLT.
31 As ‘novas’ modalidades de contrato de trabalho, temporário, autônomo e intermitente aplicam-se aos professores?
A criação de empresas de trabalho temporário — locadoras de mão de obra —, pela Lei N. 13.429, a autorização para a terceirização da atividade-fim (principal), os contratos autônomos e os intermitentes, pela Lei N. 13.467, representam a mais absoluta negação da Declaração de Filadélfia, aprovada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), em sua Vigésima Sexta Sessão, em 10 de maio 1944, da qual o Brasil é signatário, desde o seu advento.
Consoante a Declaração de Filadélfia:
“A Conferência afirma novamente os princípios fundamentais sobre os quais se funda a Organização, isto é:
a) o trabalho não é uma mercadoria;
b) a liberdade de expressão e de associação é uma condição indispensável para um progresso constante;
c) a pobreza, onde quer que exista, constitui um perigo para a prosperidade de todos;
d) a luta contra a necessidade deve ser conduzida com uma energia inesgotável por cada nação e através de um esforço internacional contínuo e organizado pelo qual os representantes dos trabalhadores e dos empregadores, colaborando em pé de igualdade com os dos Governos, participem em discussões livres e em decisões de carácter democrático tendo em vista promover o bem comum”.
Por mais que os mercadores de ideias digam o contrário, as citadas modalidades de contratos caminham em sentido diametralmente oposto aos dos princípios fundamentais da Declaração de Filadélfia e da Constituição Federal (CF) de 1988. Em uma palavra: representa o fim do trabalho decente.
Aliás, apresentam-se como deveras ilustrativos os comentários do senador Ricardo Ferraço — baluarte e pesada voz dos mencionados vendedores de ideias —, relator do Projeto de Lei da Câmara (PLC N. 38/2007), convertido na Lei N. 13.467, sobre alguns dos aspectos de seu conteúdo, em especial do contrato intermitente; concluindo, hipocritamente, com recomendação à Presidência da República para modificá-los, por meio de medida provisória.
Ei-los:
“9. Recomendações de vetos. Em que pese nossa convicção pelo necessário aperfeiçoamento das leis trabalhistas, pautada pelo binômio flexibilização e proteção, não podemos estar alheios às críticas construtivas apresentadas ao projeto pelos participantes das audiências públicas que realizamos, pelos representantes sindicais que recebemos e pelas emendas apresentadas pelas Senhoras Senadoras e Senhores Senadores. Deste modo, concertamos junto a lideranças do Poder Executivo e do Poder Legislativo que alguns itens da proposta em tela devem ser vetados, podendo ser aprimorados por meio da edição de medida provisória que contemple ao mesmo tempo o intuito do projeto aprovado na Câmara dos Deputados e o dever de proteção externado por muitos parlamentares. Trata-se de convenção evidentemente não formal e que já foi feita tantas vezes nesta Casa, e que não implica em aprovação formal de emendas….Trabalho intermitente. Sem dúvida, uma das principais inovações desta proposta é a criação do trabalho intermitente, feita pelos arts. 443 e 452-A da CLT, na forma do projeto. Não concordamos com os argumentos colecionados pelos opositores da proposta de que ela transfere o risco da atividade econômica da empresa para o empregador, violando a função social da propriedade prevista na Constituição e tratando o trabalhador como um insumo qualquer. Pelo contrário, esta é uma medida destinada a reduzir nossos altos índices de rotatividade e a permitir a inclusão no mercado de trabalho de jovens, mulheres e idosos, que têm maior dificuldade de cumprir a jornada ‘cheia’. Entretanto, é necessária cautela. Esta mudança tem que ser feita de maneira segura, e não drástica. Futura medida provisória deve conceder salvaguardas necessárias para o trabalhador e talvez delimitar setores em que este tipo de jornada vai ser permitida. Muito embora acreditemos que a realidade de diversos setores da economia não se enquadra na lógica do trabalho intermitente, esta regulação não pode ser deixada para ser feita isoladamente pelo mercado. Temos de reconhecer que há enorme desigualdade no grau de maturidade das relações de trabalho pelo País, e que permitir o trabalho intermitente de qualquer forma pode levar a abusos e à precarização.”
Ainda que se conceda que as modalidades de contratação retroapontadas, que representam a mortalha do trabalho decente, venham a ser reconhecidas como válidas pela Justiça do Trabalho, o que a Ordem Democrática espera que não se concretize, pois que isso feriria de morte a valorização do trabalho humano, fundamento da Ordem Econômica, conforme preconiza o Art. 170, caput, da CF, e o princípio da OIT segundo qual o trabalho não é mercadoria, definitivamente elas não têm lugar no primeiro dos direitos fundamentais sociais, consagrados pelo Art. 6º da CF: a educação.
Essas modalidades de contrato, todas elas, são absolutamente incompatíveis com os objetivos da educação e os princípios do ensino, respectivamente, ditados pelos Arts. 205 e 206 da CF, bem assim com as condições exigidas pelo Art. 209, também da CF, para que a iniciativa privada possa oferecer o ensino.
O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) N. 3330, de iniciativa da Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen), contra o Prouni, fundamentou a sua decisão de improcedência dela no seguintes argumentos:
O ministro relator, Ayres Brito, já aposentado, em seu voto, acolhido por todos os demais ministros, asseverou: “que a Lei Republicana tem a educação em elevadíssimo apreço… Esse desvelo para com a educação é tanto que o Magno Texto dela também cuida em capítulo próprio, no Título devotado a toda Ordem Social (Capítulo III do Título VIII). E o faz para dizer que ‘a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho’ (art. 205)”.
E mais: “Pois bem, da conexão de todos os dispositivos constitucionais até agora citados avulta a compreensão de que a educação, notadamente a escolar ou formal, é direito social que a todos deve alcançar. Por isso mesmo, dever do Estado e uma de suas políticas públicas de primeiríssima prioridade. Mas uma política pública necessariamente imbricada com ações da sociedade civil, pois o fato é que também da Constituição figuram normas que: a) impõem às famílias deveres para com ela, educação (caput do art. 205); b) fazem do ensino atividade franqueada à iniciativa privada, desde que atendidas as condições de ‘cumprimento das normas gerais da educação nacional’, mais a ‘autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público’ (art. 209, coerentemente, aliás, com o princípio da ‘coexistência de instituições públicas e privadas de ensino)”.
E ainda: “Noutro giro, não me impressiona o argumento da autora que tem por suporte o princípio da livre iniciativa, devido a que esse princípio já nasce relativizado pela Constituição mesma. Daí o Art. 170 estabelecer que ‘a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social(…)’. Aspecto que não passou despercebido ao Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, consoante os seguintes dizeres de seu parecer:
‘(…)a liberdade de iniciativa assegurada pela Constituição de 1988 pode ser caracterizada como uma liberdade pública, sujeita aos limites impostos pela atividade normativa e reguladora do Estado, que se justifique pelo objetivo maior de proteção dos valores também garantidos pela ordem constitucional e reconhecidos pela sociedade como relevantes para uma existência digna, conforme os ditames da justiça social. Não viola, pois, o princípio da livre iniciativa, a lei que regula e impõe condicionamentos ao setor privado, mormente quando tais condicionamentos expressam, correta e claramente, então conferindo concretude a objetivo fundante da República Federativa, qual seja:
I — construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º)’”.
Finalmente, o ministro relator assevera, em seu voto, transformado em jurisprudência do STF, por ser acolhido por todos os demais ministros, com exceção de um e por questão legislativa, não de mérito:
“Acresce que o ensino é livre à iniciativa privada, certo, mas sob duas condições constitucionais: autorização para funcionamento e avaliação de qualidade pelo Poder Público (…)”.
O ministro aposentado Joaquim Barbosa, em seu voto de vistas na ação sob realce, que levou quatro anos para ficar pronto, ao concordar com o ministro relator, Carlos Ayres Brito, asseverou: “(…) a educação não é uma mercadoria ou serviço sujeito às leis do mercado e sob regência do princípio da livre iniciativa (…) Se a legislação franqueia a educação à exploração pela iniciativa privada, essa só pode ocorrer se atendidos os requisitos do artigo 209 da CF (…)”.
Claro está, portanto, que o STF, ao proceder à interpretação dos objetivos e das finalidades das instituições particulares de ensino superior, em conformidade com a CF, fixou-os nos termos retrotranscritos, assentando que se obrigam a cumprir a função social, que é a de valorizar o trabalho e promover a educação com padrão de qualidade social.
Mostram-se igualmente oportunos os argumentos expendidos pelos ministros do STF, no julgamento da ADI, 4167, que questionava a constitucionalidade da Lei N. 11.738/2008 — todos registrados no acórdão —, que visa a dar eficácia ao inciso V, do Art. 206 da CF, que assegura a valorização dos profissionais da educação escolar.
Ei-los:
Já na Ementa, o mencionado acórdão destaca: “3. É constitucional a norma geral federal que reserva percentual mínimo de 1/3 da carga horária dos docentes da educação básica para dedicação às atividades extraclasse”.
O Relator da ação, ministro Joaquim Barbosa, registra, em seu voto, que foi vencedor:
“Nesta acepção, o estabelecimento de pisos salariais, visa a garantir que não haja aviltamento do trabalho ou a exploração desumana da mão-de-obra.
(…) De fato, a Constituição toma a ampliação do acesso à educação como prioridade, como se depreende de uma série de dispositivos diversos (cf.e.g. os arts. 6º, caput, 7º , IV, 23, V, 150, VI, e, e 205). Remunerar adequadamente os professores e demais profissionais envolvidos no ensino é um dos mecanismos úteis à consecução de tal objetivo”.
O ministro Luiz Fux, em seu voto, afirma: “Ora, data máxima vênia, parece evidente que isso é uma diretriz que também tem que ser uniforme. Quer dizer, uma diretriz traçando piso nacional de salário, jornada de trabalho, evidentemente — que também como princípio geral —, tem que dizer como nacionalmente deve se comportar a educação no Brasil, ou seja, os professores têm que passar dois terços dentro da sala de aula. Poder-se-á aduzir: não, mas isso traz assim prejuízos e impactos econômicos — eu até acredito que haja —, muito embora Sua Excelência, o Ministro Relator, tenha ressaltado com muita veemência que todos tiveram tempo suficiente para se adaptarem à lei. Isso foi destacado da tribuna, pelo ilustre representante do Ministério Público. Mas, ainda que assim não o fosse, a jurisprudência desta Corte não se sensibiliza com esses argumentos de natureza econômica para o fim de não declarar, ou de declarar a inconstitucionalidade da lei”.
O ministro Ricardo Lewandoswski assevera, em seu voto: “Eu entendo que a fixação de um limite máximo de 2/3 (dois terços) para as atividades de interação cm os alunos, ou, na verdade para a atividade didática, direta, em sala de aula, mostra-se perfeitamente razoável, porque sobrará apenas um 1/3 (um terço) para as atividades extra-aula.
Quem é professor sabe muito bem que essas atividades extra-aula são muito importantes, No que consistem elas? Consistem naqueles horários dedicados à preparação de aulas, encontros com pais, com colegas, com alunos, reuniões pedagógicas, didáticas; portanto, a meu ver, esse mínimo faz-se necessário para a melhoria da qualidade do ensino e também para a redução das desigualdades regionais”.
O ministro Gilmar Mendes destaca, em seu voto: “Evidente, sabemos — todos os nós que lidamos com as atividades docentes — que a jornada em sala de aula é apenas uma parte da jornada efetivamente dedicada a esse importante afazer, mas isso é suscetível inclusive de mudanças no tempo, suscetível de adaptação…”.
O ministro Marco Aurélio aduz, em seu voto: “Presidente, a bandeira estampada nessa lei é nobre. Poderíamos assentar, a uma só voz, que é tempo de o Brasil voltar os olhos para a educação. É tempo, como ressaltei no introito do voto, ao me pronunciar quanto ao pedido de concessão da medida acauteladora, de valorizarmos o trabalho dos profissionais que estão nessa sensível área do magistério.
Ninguém coloca em dúvida essas premissas. Em sã consciência, não podemos dizer que potencializamos no Brasil, como ocorreu no tocante a países que alcançaram desenvolvimento maior, a educação. Diria mesmo que a educação encontra-se sucateada, deixando muito a desejar em termos de observância dos ditames maiores da Carta de 1988…”.
O Ministro Carlos Ayres Brito registra: “Então, essa questão da quebra do princípio federativo não prospera, data vênia, porque o formato do nosso Estado federal já se fez no lastro da Constituição com essa obrigatória observância dos princípios, dentre os quais figura o piso salarial profissional nacional dos professores como um direito deles, correspondendo à noção de mínimo existencial. Isto é, um mínimo existencial para os profissionais do ensino, porque eles precisam, são devotados, são dedicados, como todo professor. O professor é diferente. Ele não se desvencilha da sala de aula, não descarta a sala de aula como se fosse o descarte de uma gravata, de um paletó, de uma calça. A sala de aula acompanha o professor vida afora. Professor que é professor, vocacionado, ele está com a sala de aula, com os alunos, com as matérias a ensinar permanentemente na sua cabeça. É por isso que ele precisa de tempo extraclasse, para se dedicar a correção de provas, leituras, reflexões, visitas a bibliotecas, frequência de cursos. É por isso que a lei, sabiamente, reservou um percentual de atividade extraclasse para o profissional do ensino básico”.
No tocante ao contrato temporário, celebrado com empresa de trabalho temporário — locadora de mão de obra —, a sua própria natureza jurídica, determinada pela Lei N. 13.429, cuida de excluir a sua aplicação ao ensino, que é atividade principal de toda escola, seja ela de nível básico ou superior, de caráter permanente, contínuo e essencial. Aliás, consoante os Art. 6º, 205 a 214 da CF, e a jurisprudência do STF, a primeira dentre todas.
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee
Fonte: Contee