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Notícia boa para o ensino no Dia da Consciência Negra

 Para subsidiar o trabalho de professores, alunos e pesquisadores, Vanali e Voss Kominek organizaram a compilação

Um auxiliar para a discussão da discriminação racial (eufemismo para racismo) acaba de ser disponibilizado a professores, alunos, estudiosos e demais interessados pelo tema, que afeta a todos os brasileiros: “Roteiros temáticos da diáspora: caminhos para o enfrentamento ao racismo no Brasil”, organizado por Andrea Maila Voss Kominek e Ana Crhistina Vanali.

Acontecimento promissor neste 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, criado em 2003 como efeméride do calendário escolar e instituído em âmbito nacional pela lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011. Um dia para a reflexão sobre a contribuição e participação do negro na sociedade brasileira. A data foi escolhida por coincidir com o dia atribuído à morte de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares (Alagoas), em 1695.

Dados e fatos

Entre 2016 e 2017, o número de brasileiros que se declaram pretos subiu 6%, para 17,8 milhões, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No mesmo período, o número de autodeclarados pardos aumentou 1%, para 96,9 milhões, enquanto o total dos que se declaram brancos teve queda de 0,6%, para 90,379 milhões.

A pesquisa mostra que a maior proporção de autodeclarados pretos está no Nordeste (10,5% da população), seguida pela Sudeste (9,3%). O menor percentual está na região Sul (4,2%). No Centro-Oeste, os autodeclarados pretos correspondem a 8,2% da população, e no Norte, a 7,1%. O Rio de Janeiro é o segundo estado com maior percentual de autodeclarados pretos, ficando atrás somente da Bahia.

Das 56 mil pessoas que foram assassinadas em 2012 no Brasil, 30 mil eram jovens entre 15 e 29 anos de idade, 93% do sexo masculino e 77% negros. O Atlas da Violência do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2017), que analisou a evolução das taxas de homicídios entre 2005 a 2015, considerando se o indivíduo era negro ou não, revelou que houve um crescimento de 18,2% na taxa de homicídio de negros, enquanto a dos não negros diminuiu 12,2%.

Apesar da estar em vigor desde 9 de junho de 2014, a Lei Federal nº 12.990 (Lei de Cotas), que reserva aos negros 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos do Poder Executivo Federal, tem tido um desempenho muito aquém do esperado. Também na universidade as cotas ainda têm muito o que caminhar. Nas cinco maiores universidades públicas do Brasil, o número de professores negros é pouco expressivo. A universidade é muito branca. Levantamento feito em 2016 pelo Departamento de Ações Afirmativas da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) identificou que, dos cerca de 1 mil professores na instituição, apenas 20 são negros. Para realizar o mapeamento, foi pedido em cada departamento a identificação dos professores que se reconheciam como negro ou que eram reconhecidos como tal.

“A UFJF é a única universidade pública que reconhece que existe racismo no ambiente acadêmico”, pontua a diretora do Departamento de Ações Afirmativas, Carolina Bezerra. A Universidade de Brasília (UnB), pioneira pela adoção de cotas raciais no vestibular, nos idos de 2004, e, mais recentemente, nos processos seletivos de pós-graduação em Sociologia, Antropologia, Direito e Direitos Humanos, só em 2016 anunciou a abertura de edital com cotas raciais para contratação de professores de Direito.

“Quem escreve o projeto de fundação da Universidade de São Paulo (USP) está bem informado que a evolução e a prosperidade do futuro estão completamente vinculadas à ideia de branquitude, de brancura”, afirma a doutora Viviane Angélica, que traçou um perfil étnico-racial dos professores dessa instituição. Embora a Universidade tenha sido oficialmente criada em 1934, sua pesquisa remonta à fundação da Faculdade de Direito, em 1827, que foi posteriormente incorporada à USP. “Tinha-se a ideia de que a nação estava condenada e a mestiçagem era parte disso. A brancura era o caminho para a evolução”, afirma. “A USP foi fundada sobre as bases da educação bandeirante de abrir fronteiras para o país inteiro. Ou seja, isso também deveria ser feito no ensino superior, porém abarcando a ideia de branquitude”.

O baixo índice de docentes negros na universidade se deve também às formas de ingresso. A pesquisadora diz que o processo de entrada é aleatório, onde não há uma rede que se atente as desigualdades raciais, e que a forma como se reproduz o corpo docente não diz respeito apenas ao grau de excelência do candidato. Viviane mostra a existência de famílias de docentes da universidade, com “sobrenomes solenes, o que denota que o processo de ingresso também funciona como uma forma de herança”.

Negro, o professor doutor Dennis de Oliveira, chefe do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes, crê que uma forma de aumentar o número de docentes negros na USP seriam as cotas raciais nos concursos para professores. Já implementadas no Sistema de Seleção Unificada (SISU) para alunos de graduação, Dennis afirma que estas cotas são “a etapa seguinte para garantir a inserção social da população negra neste espaço”.

Legislação e discriminação

Em 1837 foi assinada a primeira lei de educação no nosso país – não contemplava negros, então escravos. Em 1850, a lei das terras não permitia aos negros serem proprietários. Em 1871, a Lei do Ventre Livre excluía da escravidão os negros recém-nascidos, mas seus pais e familiares continuavam escravos. Em 1885 foi assinada Lei do Sexagenário, liberando do trabalho escravo os negros com mais de 60 anos – para efeito de comparação: nas primeiras décadas do século XIX a esperança de vida na Europa Ocidental (imensa maioria, branca) rondava os 33 anos.

Em 1888 ocorre a abolição, sem nenhuma compensação econômica ou social para os libertos, condenados agora ao desemprego e à miséria. Para resolver o problema, em 1890 foi editada a lei dos vadios e capoeiras: os que perambulavam pelas ruas, sem trabalho ou residência comprovada, deveriam ir para cadeia!

Somente com a Constituição de 1988, há apenas 30 anos, o racismo passou a ser considerado crime (seu art. 5° inciso XLII determina que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito de reclusão nos termos da lei”). Em decorrência da nova Carta Magna, em 2009 foi instituída a primeira Política de Saúde da População Negra; em 2010 foi assinada a Lei 12.288, criando o Estatuto da Igualdade Racial e, em 2012, a Lei 12.711 criou cotas para negros nas universidades.

O tema chega aos currículos

Em 2003 a implementação da Lei 10.639 modificou o Artigo 26 A da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), instituindo a obrigatoriedade de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana em todas as disciplinas, níveis e modalidades de ensino da Educação Básica e nos cursos de licenciatura de Ensino Superior. Em 11 de março de 2008 essa lei foi alterada pela criação da Lei 11.645, que torna obrigatório, também, o ensino de História e Cultura dos Povos Indígenas.

Segundo Adilbênia Freire Machado e Eduardo Oliveira, a lei “não está sendo implementada como deveria, pois, sabemos que na maioria dos espaços escolares e acadêmicos efetivamente ela não é aplicada, também sabemos que o governo ilegítimo vigente está numa luta contínua para retirar todos esses direitos duramente conquistados”.

As ações afirmativas não se limitam à reserva de vagas, mas buscam a reestruturação de ambientes excludentes. As políticas públicas de reparação e de direitos dos povos negros visa a participação ativa da cultura africana na formação da cultura nacional e não, simplesmente, a sua contribuição para nossa cultura. Preconizar práticas educativas e antirracistas nunca foi uma questão exclusiva da população negra no Brasil, mas brasileiros e brasileiras progressistas em geral.

Em um seminário realizado em Curitiba em setembro de 2016, com 150 professores e professoras dos ensinos fundamental e médio, que trabalham com o Ensino das Relações Étnico-Raciais, especialmente nas chamadas “Equipes Multidisciplinares”, foi constatada a dificuldade de encontrar ou acessar material de qualidade para trabalhar a temática das africanidades, da diáspora africana e das relações raciais. Para subsidiar o trabalho de professores, alunos e pesquisadores, Vanali e Voss Kominek organizaram a compilação “Roteiros temáticos da diáspora: caminhos para o enfrentamento ao racismo no Brasil”. Para elas, “a construção de uma sociedade justa exige conhecer e valorizar seu passado, suas raízes, trabalhar e lutar no presente para que o sonho do futuro melhor que queremos possa ser concretizado”. Essa obra está agora à disposição de todos, no endereço https://www.editorafi.org/396latitudes. Um instrumento de trabalho a serviço da liberdade e da libertação.

Fonte: Contee Carlos Pompe