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Só a ousadia não é suficiente!

Só a ousadia não é suficiente

Por Olga Neri de Campos Lima

Há consenso sobre a necessidade de mudança de paradigma na educação. Porém, os problemas da área não ocorrem de forma isolada. A ousadia de alguns professores, que se superam apesar de todas as adversidades, não é suficiente para ensejar a transformação. Governo, instituições de ensino, gestores e pais não têm assumido uma atitude que permita sair da situação em que nos encontramos.

Durante um bom tempo, o governo federal, através do Ministério da Educação (MEC), discutiu e elaborou o Plano Nacional de Educação (PNE), com o objetivo de traçar uma política educacional para o país visando a década de 2010 a 2020. Participaram dessa construção, além do MEC, pedagogos, gestores, professores e representantes da sociedade. As Conferências Nacionais de Educação (CONAEs) permitiram a definição de eixos a partir de concepções que buscavam a garantia de uma educação pública, gratuita, inclusiva e de qualidade. Esse amplo debate envolvendo educadores e sociedade civil organizada qualificou o PNE como uma conquista histórica. Entre as propostas definidas pelo Plano, destacam-se a garantia do direito à educação básica com qualidade, a redução das desigualdades e respeito à diversidade, a valorização dos profissionais da educação e o acesso ao ensino superior.

Entretanto, quando o presidente ilegítimo Temer assume, num verdadeiro golpe à democracia, desconsidera tudo o que fora construído e protagoniza um duro ataque à educação.

O Fórum Nacional de Educação, instância responsável pelo monitoramento do PNE, foi precarizado. Com qual objetivo? Impedir educadores, estudantes, pais e sociedade civil de contribuir na formulação de políticas educacionais. Fica evidente a intenção de privatização da educação pública, permitindo acesso à educação de qualidade apenas para os filhos das elites.

A década ainda não findou, mas constata-se que do PNE pouco ou nada foi implementado e isso é resultado de uma opção política.

Assistimos ao desmonte da educação pública. Recursos são cortados. Políticas de formação de professores estão sendo eliminadas. Instituições agonizam em meio à falta de recursos. Professores recebem salários parcelados ou deixam de receber. Há docentes que não têm assegurado, como manda a lei, o pagamento do piso nacional do magistério. E esse piso, certamente, não chega a ser um salário justo, considerando a importância do professor.  Nem mesmo é compatível com o que o mercado paga a profissionais com o mesmo nível de formação.

Nas instituições privadas, ocorre um processo de mercantilização da educação. Estudantes são números a serem negociados na Bolsa de Valores. Instituições de ensino estão atreladas às necessidades dos “clientes”. Pais que terceirizam completamente a tarefa de educar e a transferem aos professores, contratam “serviços educacionais” – e não uma educação cujo princípio seja o conhecimento como processo fundamental de humanização do indivíduo.

Num cenário em que a realidade da educação pública é caótica, a escola privada garante matrículas àqueles que ainda conseguem pagar. Mas de que forma realiza o processo de educação? Com salas de aula tradicionais, currículos engessados, materiais didáticos distantes da realidade. Os professores sofrem com uma sobrecarga que vai muito além do trabalho contratado, pressão por resultados, ausência de capacitação para enfrentar os desafios da sociedade digital. Nesse contexto, os professores muitas vezes são responsabilizados pelo insucesso dos alunos, quando há diversas variáveis a serem consideradas e atores educacionais que se eximem de qualquer responsabilidade.

Portanto, só a ousadia não é suficiente. Precisamos de políticas públicas adequadas para a educação. Precisamos de pais que considerem o conhecimento como um valor e deixem de enxergar a escola apenas como local seguro para deixar os filhos enquanto estão ocupados. Precisamos que a preparação para o mercado de trabalho seja questionada, pois as profissões de hoje, num curtíssimo espaço de tempo, não existirão mais. Precisamos de gestores educacionais que saiam de seus gabinetes e vejam nos docentes profissionais preparados intelectualmente para pensar, propor e atuar de forma vibrante, comprometida e apaixonada para a formação humana. Profissionais capazes de desenvolver o potencial e a criatividade dos estudantes, com o objetivo de que o conhecimento socialmente acumulado possibilite a construção de um novo pacto civilizatório.


Olga Neri de Campos Lima é professora, coordenadora de comunicação do Sindicato dos Professores de Caxias do Sul (Sinpro/Caxias) e apresentadora do programa Maravilha.